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quinta-feira, 21 de março de 2013

Da Presunção de Inocência e o Reconhecimento de Firma (parte 1)


De uma promessa de compra e venda, permeando um contrato de aluguel e chegando ao deslinde de uma escritura pública, muitos são os atos do cotidiano que imprimem uma forte chama contrária à presunção de inocência.

O conhecido baluarte está disposto no art 5º, inciso LVII de nossa Constituição Federal. In verbis, "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". 

Verdadeiro é que tal artigo literalizou luz quanto ao âmbito penal. Não impera motivo para se falar, porém, em obstáculo hermenêutico para que seja aplicada, analógica e saudavelmente, a partir de interpretação extensiva, a mesma aplicação aos demais ramos do Direito.

Notemos que tal disposição constitucional preceitua de maneira ímpar e fulgura excelsa magnitude e apreço quanto ao homem. Vê-se a Carta Magna rezar belamente uma cartilha patrística e afirmar crer piamente no homem de bem. A teoria, entretanto, é avessa à prática.

Por vezes, parece-nos ser contraditório as aplicações do Direito e o nome regente da referida carta, pois se esta atende pelo nome de "constituição", quais benditos motivos invoca para não constituir certos direitos nela elencados? Evidente é a dificuldade ao buscar a aplicação de tão egrégio documento oriundo de 1988, ínclito em vastos campos e de sobremaneira salutar em tantos outros - mas precisamos oferecer alguma ajuda. Ela não pode ser somente uma carta de intenções.

Permanece, em nossos dias, o espanto quanto à aplicabilidade de certos ditames que afrontam não somente o outrora "homem médio", mas, sim, todo e qualquer vivente.

Analisemos, assim, alguns breves vieses cognitivos que circundam esta seara.

1. Do reconhecimento de firma

O reconhecimento de assinatura ou "firma", remonta aos tempos da Roma antiga, onde figurava o scribae, tabellius ou notarius. Conforme Paulo Roberto Gaiger Ferreira, titular do 26º Tabelionato de Notas de São Paulo, "Os tabeliães surgiram na antiguidade, como escribas. O rei decidia dar uma fazenda ao fulano que foi bem na guerra. O tabelião era chamado para documentar a transação, porque ninguém escrevia. Ele certificava, com a sua fé-pública, que o rei deu o terreno e a pessoa aceitou. A evolução da atividade ao longo da Idade Moderna e da Idade Contemporânea é no sentido de fornecer segurança jurídica e proteção aos direitos do consumidor. Hoje, todo mundo sabe escrever, mas nem todo mundo sabe sobre Direito. O tabelião tem esse dever. Ele vai zelar para que as escrituras não tenham cláusulas ilícitas, por exemplo."[1]

Observemos que o ato do escriba perpetuou o tempo e, em muitíssimos casos, parece não ter se adequado às vicissitudes da vida. Certamente que hoje, diferentemente de outrora, o homem sabe escrever e tem consciência do que faz - ou finge ter. Alhures, o fato de não saber sobre Direito, não é motivo para se deslizar sobre o mortal uma avalanche de selos e carimbos onerosos.

Podemos afirmar que, conquanto o reconhecimento de firma não seja totalmente sem razão de ser, afronta a dignidade da pessoa humana, de modo que a expõe à prova sujeita a terceiro, o qual reconhecerá ou não sua assinatura. Não tratando com demérito os tabelionatos, tão grandes servidores em inúmeros aspectos importantíssimos como, por exemplo, atos notariais, há de se questionar a obrigatoriedade de tal ato reconhecedor de alguns, por vezes, literais rabiscos. 

Mas existe tal obrigatoriedade?

De pronto verifica-se que de fato ela não é obrigatória. Assim lemos no Art. 9º do Decreto 6.932 de 11 de agosto de 2009, cujo teor instituiu a "Carta de Serviços ao Cidadão" e deu outras providências: "Salvo na existência de dúvida fundada quanto à autenticidade e no caso de imposição legal, fica dispensado o reconhecimento de firma em qualquer documento produzido no Brasil destinado a fazer prova junto a órgãos e entidades da administração pública federal, quando assinado perante o servidor público a quem deva ser apresentado" (grifo acrescentado). Tal fundamento possui lastro na presunção de boa-fé, conforme preconiza o art. 1º do referido decreto. Noutras palavras, se houver indícios de não autenticidade (em sentido lato) da assinatura e não houver outra imposição legal, o reconhecimento é dispensado - ou ao menos, facultativo.

Desta forma, fica notório a não obrigatoriedade quanto aos documentos destinados à administração pública federal. 

Acontece, porém, que tal reconhecimento não é válido aos demais órgãos infra federais, mesmo que os tais sirvam ao ente federal. Apenas para citar, em uma venda de carro ou transferência de pontos referente à(s) multa(s) de trânsito, é necessário reconhecer firma junto ao tabelionato[2] - salvo se na transferência de pontos ambos (proprietário e condutor) assinarem em frente ao servidor público[3]. Mas qual o fundamento de tamanha exigência, uma vez que cada CIRETRAN e DETRAN servem ao DENATRAM? Parece-nos uma disparidade sem valor intrínseco.

Já em contratos de compra e venda, o instrumento particular não precisa ser "reconhecido" por outrem, tendo em vista o princípio da confiança com quem se está a negociar. Para tal não imposição de reconhecimento ser válida entre particulares, somente é possível recordar e invocar que o efeito entre particulares não possui efeito erga omnes, razão pela qual melhor sorte não lhe assiste, devendo se submeter aos demais ritos solenes quando nos atos públicos.

Notas: 
[1] Fonte: http://www.conjur.com.br/2007-jan-28/mundo_perfeito_nao_cartorios?pagina=3 (acessado dia 12.03.2013).
[2] Resolução 310/09 do CONTRAN.
[3] Resolução 363/10, art. 4º, IX e §7º do CONTRAN.
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Leia as outras partes: Parte 2 Parte 3

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