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segunda-feira, 25 de março de 2013

Da Presunção de Inocência e o Reconhecimento de Firma (parte 3 - final)



3. Qual a solução?

Se há tristeza ao se averiguar um fato recente e para ele não se achar solução imediata, mui maiores dores acometem um povo quando se torna cônscio de um problema não mais pontual, e sim nevrálgico, fortemente sedimentado junto à carne e já entrelaçado na musculatura corporal.

Nosso país é mundialmente reconhecido pela infeliz e excessiva burocracia. Não é preciso ler grandes jornais ou efetuar buscas incessantes mundo afora para se ler esta realidade. Basta uma singela conversa com algum imigrante recente ou outrem buscando legalizar-se perante nosso "impávido colosso" solo tupiniquim e logo se constatará que longe de ser dito das más línguas, o reconhecimento é justo. Eles reclamarão dos entraves jurídicos de nossa nação e estarão com toda razão.

O problema, não obstante a averiguação, redunda justamente no fato da opacidade ter tomado às vezes dos olhos reais e sensíveis. A menina dos olhos brasileiros está calejada e já não maneja a pálpebra da defesa e interposição ao ataque de quaisquer elementos que possam lhe retirar a liberdade de ver a realidade. O que nos é apresentado em simpósios, conferências e debates e mais debates, muitas vezes é semelhante a um  famoso quadro, onde é representado certo homem às margens do rio Ipiranga, com espada à mão e gritando (ou falando, quem sabe sussurrando...) algumas palavras aos conterrâneos.

Tal qual o primeiro passo para se diagnosticar a doença é a percepção de que se está enfermo, igualmente necessitamos compreender as mazelas que nos afligem. Nossa doença é ancestral.

Já nos idos da década de 70, com o Decreto nº 83.740, de 18 de julho de 1979, nosso Estado procurou instituir o Programa Nacional de Desburocratização, sendo posteriormente seguido pelo Decreto nº 83.936, de 6 de setembro 1979, o qual buscou simplificar as exigências de documentos e outras providências.

Dentre outras coisas, constava no nobre documento de 6 de setembro: "Considerando (...) d) que, em troca da simplificação processual e da agilização das soluções, cumpre aceitar-se, conscientemente, o risco calculado da confiança, uma vez que os casos de fraude não representam regra, mas exceção, e não são impedidos pela prévia e sistemática exigência de documentação (...) Decreta (...) Art 5º A juntada de documento, quando decorrente de dispositivo legal expresso, poderá ser feita por cópia autenticada, dispensada nova conferência com o documento original. Parágrafo único. A autenticação poderá ser feita, mediante cotejo da cópia com o original pelo próprio servidor a quem o documento deva ser apresentado, se não houver sido anteriormente feita por tabelião. (...) Art 10º (...) Parágrafo único. Verificada em qualquer tempo a ocorrência de fraude ou falsidade em prova documental ou declaração do interessado, a exigência será considerada como não satisfeita e sem efeito o ato praticado em conseqüência de sua apresentação ou juntada, devendo o órgão ou entidade dar conhecimento do fato à autoridade competente, dentro de 5 (cinco) dias, para instauração de processo criminal" (grifo acrescentado).

Somente o ler destas linhas já nos enche o coração de esperança e faz a alma alegrar-se. Ainda mais regozijo há quando tal lei é consultada e retorna com a seguinte situação: "Não consta revogação expressa". [1]

Por quais motivos, então, foi se acrescentando modos e métodos contrários à tão sonhada simplificação? Salvo crasso engano, a solução é evidentemente cristalina. Muitos problemas não estariam resolvidos com o conferir do servidor, vez que o documento original, já com base segura de ter sido assinado nos conformes da legalidade, serviria significativamente para conferência da cópia? Acaso a instauração de processo criminal, uma vez atestada a falsidade, não intimidaria alguns? 

A solução para esta enfermidade requer urgência. A via expressa deve ser usada e os agentes fiscalizadores do Estado devem estar postos para não meramente conhecer a lei, mas tornar evidente o fumus boni juris. Esta fumaça precisa subir logo.

O problema, como tudo, é o jogo de interesses. Alguém está ganhando e não está disposto a perder. 

Em time campeão, não se mexe na escalação.

Notas: 
[1] http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-83936-6-setembro-1979-433459-norma-pe.html (acessado dia 12.03.2013).

sexta-feira, 22 de março de 2013

Da Presunção de Inocência e o Reconhecimento de Firma (parte 2)


2. Da presunção de inocência e da imputabilidade implícita de violação

A semente lançada e que veio a crescer, dando flores e frutos quanto ao possível e estabelecido princípio de que todos são inculpáveis até que haja passado o "trânsito em julgado", na verdade, remete, também, o bom operador do direto à questão oposta, pois uma vez fundamentado serem todos inocentes até prova diversa, se estabelece que todo aquele que se torna "autor", é um possível fraudador da lei e homem de pouca moralidade. Explico.

É ponto luminoso e bom guia na interpretação que toda assertiva contém, implicitamente, uma negativa sobre tudo que lhe for contrário. Isto é, estando consubstanciada a presunção de inocência de uma das partes, logo, a outra deve ser elencada na negativa desta, a saber, na presunção de imputar a outrem fato criminoso, porém não ocorrido. 

Nesta esteira estaria sendo violada norma penal. De acordo com o art. 138 de nosso Código Penal, "Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime. Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa". Consoante tal disposição, se desdobra o entendimento de o fato de exigir de outrem maiores evidências de sua assinatura como validação genuína, se traduz em imputar, subjetivamente, culpabilidade ao próprio inquiridor e solicitante.

Não há maneiras de se fugir desta analogia, pois todo aquele que requer algo além da objetividade, imputa falsamente crime, uma vez que os arts. 297 e 298 do Código Penal tipificam a falsidade de documento e contemplam, conforme ampla jurisprudência, a falsidade de assinatura.

É de uma clarividência solar a necessidade de modificação ou quanto à presunção de inocência (ampliando os papéis, considerando ambas as partes inocentes), ou no tocante à letra da lei. Se assim não for, estamos, em nosso sistema, com uma das mãos a defender o bom moço, mas com a outra, a apertar o torniquete e aguardar a gangrena.
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Leia as outras partes: Parte 1 Parte 3

quinta-feira, 21 de março de 2013

Da Presunção de Inocência e o Reconhecimento de Firma (parte 1)


De uma promessa de compra e venda, permeando um contrato de aluguel e chegando ao deslinde de uma escritura pública, muitos são os atos do cotidiano que imprimem uma forte chama contrária à presunção de inocência.

O conhecido baluarte está disposto no art 5º, inciso LVII de nossa Constituição Federal. In verbis, "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". 

Verdadeiro é que tal artigo literalizou luz quanto ao âmbito penal. Não impera motivo para se falar, porém, em obstáculo hermenêutico para que seja aplicada, analógica e saudavelmente, a partir de interpretação extensiva, a mesma aplicação aos demais ramos do Direito.

Notemos que tal disposição constitucional preceitua de maneira ímpar e fulgura excelsa magnitude e apreço quanto ao homem. Vê-se a Carta Magna rezar belamente uma cartilha patrística e afirmar crer piamente no homem de bem. A teoria, entretanto, é avessa à prática.

Por vezes, parece-nos ser contraditório as aplicações do Direito e o nome regente da referida carta, pois se esta atende pelo nome de "constituição", quais benditos motivos invoca para não constituir certos direitos nela elencados? Evidente é a dificuldade ao buscar a aplicação de tão egrégio documento oriundo de 1988, ínclito em vastos campos e de sobremaneira salutar em tantos outros - mas precisamos oferecer alguma ajuda. Ela não pode ser somente uma carta de intenções.

Permanece, em nossos dias, o espanto quanto à aplicabilidade de certos ditames que afrontam não somente o outrora "homem médio", mas, sim, todo e qualquer vivente.

Analisemos, assim, alguns breves vieses cognitivos que circundam esta seara.

1. Do reconhecimento de firma

O reconhecimento de assinatura ou "firma", remonta aos tempos da Roma antiga, onde figurava o scribae, tabellius ou notarius. Conforme Paulo Roberto Gaiger Ferreira, titular do 26º Tabelionato de Notas de São Paulo, "Os tabeliães surgiram na antiguidade, como escribas. O rei decidia dar uma fazenda ao fulano que foi bem na guerra. O tabelião era chamado para documentar a transação, porque ninguém escrevia. Ele certificava, com a sua fé-pública, que o rei deu o terreno e a pessoa aceitou. A evolução da atividade ao longo da Idade Moderna e da Idade Contemporânea é no sentido de fornecer segurança jurídica e proteção aos direitos do consumidor. Hoje, todo mundo sabe escrever, mas nem todo mundo sabe sobre Direito. O tabelião tem esse dever. Ele vai zelar para que as escrituras não tenham cláusulas ilícitas, por exemplo."[1]

Observemos que o ato do escriba perpetuou o tempo e, em muitíssimos casos, parece não ter se adequado às vicissitudes da vida. Certamente que hoje, diferentemente de outrora, o homem sabe escrever e tem consciência do que faz - ou finge ter. Alhures, o fato de não saber sobre Direito, não é motivo para se deslizar sobre o mortal uma avalanche de selos e carimbos onerosos.

Podemos afirmar que, conquanto o reconhecimento de firma não seja totalmente sem razão de ser, afronta a dignidade da pessoa humana, de modo que a expõe à prova sujeita a terceiro, o qual reconhecerá ou não sua assinatura. Não tratando com demérito os tabelionatos, tão grandes servidores em inúmeros aspectos importantíssimos como, por exemplo, atos notariais, há de se questionar a obrigatoriedade de tal ato reconhecedor de alguns, por vezes, literais rabiscos. 

Mas existe tal obrigatoriedade?

De pronto verifica-se que de fato ela não é obrigatória. Assim lemos no Art. 9º do Decreto 6.932 de 11 de agosto de 2009, cujo teor instituiu a "Carta de Serviços ao Cidadão" e deu outras providências: "Salvo na existência de dúvida fundada quanto à autenticidade e no caso de imposição legal, fica dispensado o reconhecimento de firma em qualquer documento produzido no Brasil destinado a fazer prova junto a órgãos e entidades da administração pública federal, quando assinado perante o servidor público a quem deva ser apresentado" (grifo acrescentado). Tal fundamento possui lastro na presunção de boa-fé, conforme preconiza o art. 1º do referido decreto. Noutras palavras, se houver indícios de não autenticidade (em sentido lato) da assinatura e não houver outra imposição legal, o reconhecimento é dispensado - ou ao menos, facultativo.

Desta forma, fica notório a não obrigatoriedade quanto aos documentos destinados à administração pública federal. 

Acontece, porém, que tal reconhecimento não é válido aos demais órgãos infra federais, mesmo que os tais sirvam ao ente federal. Apenas para citar, em uma venda de carro ou transferência de pontos referente à(s) multa(s) de trânsito, é necessário reconhecer firma junto ao tabelionato[2] - salvo se na transferência de pontos ambos (proprietário e condutor) assinarem em frente ao servidor público[3]. Mas qual o fundamento de tamanha exigência, uma vez que cada CIRETRAN e DETRAN servem ao DENATRAM? Parece-nos uma disparidade sem valor intrínseco.

Já em contratos de compra e venda, o instrumento particular não precisa ser "reconhecido" por outrem, tendo em vista o princípio da confiança com quem se está a negociar. Para tal não imposição de reconhecimento ser válida entre particulares, somente é possível recordar e invocar que o efeito entre particulares não possui efeito erga omnes, razão pela qual melhor sorte não lhe assiste, devendo se submeter aos demais ritos solenes quando nos atos públicos.

Notas: 
[1] Fonte: http://www.conjur.com.br/2007-jan-28/mundo_perfeito_nao_cartorios?pagina=3 (acessado dia 12.03.2013).
[2] Resolução 310/09 do CONTRAN.
[3] Resolução 363/10, art. 4º, IX e §7º do CONTRAN.
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Leia as outras partes: Parte 2 Parte 3

quinta-feira, 14 de março de 2013

Tese: Legítima Defesa Antecipada



Não é tarefa fácil a conciliação entre as normas legais e os fatos da vida real. Estes últimos são sempre mais dinâmicos e o drama da existência humana parece deleitar-se com a criação de situações onde as normas legais dificilmente se encaixam. O intérprete, o delegado, o promotor, a defesa e o juiz - togado ou não - passam a procurar compor o litígio entre a vida e o tipo legal inscrito no Código.

Dentro dessa realidade, temos exemplos não incomuns: 1) Um traficante, em morro por ele dominado, promete a morador que se este não entregar sua filha ou esposa para a prática de relações sexuais, toda sua família será executada.

O morador sabe que isso já ocorreu com outro pai de família e que não pode contar com proteção do Estado, de modo que -- aproveitando uma rara oportunidade -- mata o autor do constrangimento; 2) O "dono" de cortiço promete matar um morador com quem discutiu dizendo que irá concretizar a ameaça à noite. O ameaçado aproveita-se do fato do primeiro estar dormindo, à tarde, e se antecipa, ceifando a vida do anunciado agressor; 3) Um pai é ameaçado por sua ex-companheira no sentido de que, se não reatar o relacionamento, esta matará sua esposa e filha, sendo certo que essas ameaças são sérias e o ameaçado sabe que a ex-companheira (que já tentara contra sua vida) é capaz de cumprir sua promessa. Em determinado dia, ao chegar em casa, encontra sinais de luta e sua mulher e filha feridas. Informado de que fora a ex-companheira a responsável pelos fatos, além de ter prometido retornar, imediatamente a procura e nela descarrega toda munição de seu revólver.

Os três exemplos acima são fatos tirados da vida real e levados a julgamento no Tribunal do Júri. Se for pesquisada a hipótese, máxime nos tempos hodiernos, de completa ineficiência estatal na manutenção da ordem pública, teremos inúmeros casos semelhantes. De igual modo, se for perquirida a convivência em presídios, favelas, no âmago do crime organizado etc.

Para a absolvição dos agentes acima referidos, e não apenas a concessão de pena diminuída por força de privilégios, a doutrina vem indicando a tese da inexigibilidade de conduta diversa conforme o Direito. Os casos são, inclusive, citados como exemplos de aplicação da teoria.

Ocorre que a tese acima é quase como um coringa absolutório, servindo para suprir qualquer tese, ou, melhor, a falta de tese específica. Se apenas uma descriminante fosse existir na lei penal, sem dúvida a melhor escolha seria a inexigibilidade de conduta diversa, conforme o Direito. Quiséssemos excluir também as causas de diminuição da pena, poderíamos substituir todas por uma espécie de inexigibilidade parcial.

Apenas por amor à concisão não citaremos exemplos, deixando ao leitor a deleitosa tarefa de -- comparando a tese com todas as demais no Código Penal -- ver que a todas se adequa. A hipótese é semelhante à que temos no tipo penal do estelionato (art. 171, CP), que se molda a qualquer fraude.

O que é, verbi gratia, a posse sexual mediante fraude senão um estelionato de ordem sexual? Ou o uso de qualquer documento falso senão obter uma vantagem ilícita em prejuízo alheio, por intermédio de determinado recurso?

Assim, entendemos que a teoria da inexigibilidade é de ser mantida sempre como um "soldado de reserva", como diria HUNGRIA, só que um soldado de reserva para o exército do réu. Antes de optarmos pela inexigibilidade, devemos esgotar as possibilidades de enquadrar o caso nas descriminantes explicitadas na lei penal.

Os casos acima são merecedores de absolvição por legítima defesa, quer a denominemos de prévia, antecipada, preventiva, pré-ordenada ou qualquer expressão semelhante. Para se estar em legítima defesa deve haver agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, agressão esta repelida com o uso moderado dos meios necessários, moderação que se questiona tanto na escolha quanto do emprego dos meios de defesa (art. 25, CP).

Pois bem, com quase simplismo, rejeita-se a justificante em tela como amparo às pessoas acima por não existir agressão atual ou iminente, mas futura. Os réus perdem assim tese absolutória preciosa, máxime diante da ainda, por incrível que pareça, rejeição de alguns juízes em quesitar a inexigibilidade.

E tais réus são, aqui, quase-vítimas duas vezes: porque quase foram mortos e porque, ao se defenderem como podiam, adquiriram tão indesejável status processual.

Não há, definitivamente, agressão futura. Utilizando analogia com a condição e o termo, do direito civil, na agressão futura há condição, ou seja, evento futuro e incerto. No campo da legítima defesa. O evento (aqui, agressão) será incerto ou por não se ter dele suficiente convicção ou pela possibilidade de ser buscado auxílio da autoridade pública com razoável possibilidade de sucesso no atendimento.

Na agressão condição para a legítima defesa preventiva, o evento é futuro e certo. A certeza decorre das circunstâncias particulares de cada caso, a serem analisadas de acordo com os ensinamentos da Teoria da Prova. Temos como termo inicial a ameaça (suficientemente idônea, ou seja, mais atrevido aviso que ameaça), como termo final o início da agressão (quando os meios de defesa do agredido, por sua inferioridade, não poderão alcançar êxito) e um prazo onde a agressão já deve ser tida como iminente (ao menos psicologicamente) e o exercício da defesa antecipada um meio absolutamente necessário.

Assim, como o estado puerperal não é compreendido cronologicamente mas psicologicamente, a atualidade ou iminência da agressão não deve ser pesada friamente, ou contada apenas com um cronômetro. É preciso, sempre, bom senso. Diga-se de passagem, a razoabilidade aqui demandada é o aspecto material de direito constitucionalmente assegurado, qual seja o due process of law (art. 5º, LIV, CF). Devemos, pois, interpretar a iminência da agressão não só com o auxílio de cronos mas também de logos.

Se a agressão ainda não se iniciou mas se prenuncia com suficiente certeza, deve ser assegurado à pessoa o direito de auto-defesa, que é metajurídico. Máxime se, após a certeza do ataque anunciado, não for razoável que o ameaçado se fie na proteção do Estado, por este - mesmo chamado - quedar-se inerte ou ineficaz. Ao indivíduo não se pode cobrar que, após ver a inércia estatal produzir vítimas antes, proceda com o heroísmo de apostar sua vida em que dessa vez (na sua vez) a Polícia vá subir o morro, enfrentando com revólveres .38 as submetralhadoras importadas dos senhores do "segundo Estado".

Há que se considerar também que o meio necessário às vezes pode ser a antecipação suficiente da resposta defensiva. Se o agressor dispõe de superioridade de forças, esperar o embate significa abdicar de qualquer chance de vitória. O Estado de Israel sobreviveu a inúmeras guerras exatamente por - tendo seguras informações de ataque árabe - ter se antecipado, como fez em 1967. As offendicula et offensacula são tidas como espécie de legítima defesa para uns e por outros, exercício de direito. Nelas, não se sabe se vai ocorrer uma agressão, nem quando. Na tese ora discutida, ao contrário, não só se sabe que a agressão vai ocorrer, como também que ela será com forças tão superiores que a possibilidade de sobrevivência é irrisória. Assim, quem aceita a primeira tese, por maior razão aceitará a segunda.

Como requisito para a acatação da tese, e conseqüente absolvição, teremos sempre a demonstração do conjunto de circunstâncias que justifiquem a conduta do réu, por exemplo, quanto à certeza da agressão (futura e certa). Sempre terá que haver suficiente e robusta prova de que o agente seria atacado, que tinha motivos bastantes para proceder em legítima e antecipada defesa. Sendo alegação do réu, as circunstâncias referidas teriam que ser demonstradas e provadas pela defesa (art. 156, CPP). Tudo ainda sujeito à livre convicção judicial (art. 157, CPP) ou ao crédito a ser dado pelos pares, no Júri, onde o princípio da convicção íntima revigora a admissão da tese.

Muitos há que preconizam maior rigor com os crimes de sangue, em geral se esquecendo da delinqüência dourada. Para estes a legítima defesa será vista como uma aterrorizadora "nova porta para a impunidade", a ser utilizada por uma população sequiosa de praticar crimes (?!). Ora, cabe dizer que - como qualquer outra tese defensiva - estará a legítima defesa prévia sujeita a suficiente lastro probatório.

Veja-se que legítima defesa própria é tese que a população em geral conhece e nem por isso o Código Penal a rejeita ou a criminalidade aumenta. Não é a existência da tese, nem o número destas, que dá vigor à criminalidade. Até porque não se combate o crime com a condenação de inocentes. Além do mais, como já disse, o ônus social causado pelos sonegadores, políticos e administradores corruptos e motoristas imprudentes é muito maior do que o imposto pelos atuais "candidatos" à pena de morte, mostrando certa ignorância da população sobre quais devem ser os criminosos mais severamente apenados. Tal falta de visão, talvez fruto de falta de esclarecimento, merece correção.

Além de interpretar melhor o que seja "iminência", a aceitação da tese de legítima defesa pré-ordenada incorpora a interpretação dos "meios necessários". Para tanto, lembremos que assim como o crime é monolítico, apesar de ser esquartejado em elementos para fins didáticos, as descriminantes também são blocos inteiros, não se podendo exagerar na divisão de seus requisitos. A teoria tradicional apontava três elementos do crime, o finalismo podou a culpabilidade e o próximo passo será ver o crime como ele é: apenas tipicidade, o que chamamos de i>teoria unicista. Veja-se, nesse passo, que mesmo os quesitos da legítima defesa se direcionam à unificação e simplicidade.

Por derradeiro, deve ser notado - da observação dos fatos e do cotidiano do Fórum - que a extrema força de um requisito em geral supre a falta ou fraqueza de outro. Observem a concessão de liminares: mesmo sem que tal conduta seja muito técnica, os Juízes tendem a ignorar a falta do fumus boni iuris quando o periculum in mora é grande. Assegura-se o não perecimento do direito na liminar e se ele não se confirmar posteriormente, julga-se improcedente o pedido final. Igualmente, quando o direito violado é suficientemente claro e inquestionável, não vem se exigindo a demonstração de urgência de modo rigoroso, dando-se o provimento inicial com convolação oportuna em definitivo. Duas são as causas: a tentativa de se superar alguns dos inconvenientes da morosidade judicial e, a segunda, a aplicação da ora indicada compensação de requisitos ou elementos. A compensação, por mais que seja criticável sob o aspecto jurídico ou técnico, pode ser comumente observada na prática. Tal discussão será objeto de estudo futuro.

Os jurados são normalmente corajosos na aplicação da tese de legítima defesa em casos como os citados no início deste despretensioso trabalho. Sabem julgar bem a iminência da agressão e a necessidade dos meios, máxime diante de elastecida injustiça e certeza da agressão. Os juízes togados, mais cautelosos na interpretação da lei, para não feri-la, bem podem repensar a interpretação dos requisitos da legítima defesa vendo-a como é: uma pessoa exercendo, como pode, o sagrado direito de se proteger. É um fato monolítico, onde os requisitos se mesclam e só se interpretam em conjunto e diante do caso concreto.

Em relação à população de um modo geral, temos esperança de que, mesmo diante de casos graves, se crie a noção da necessidade do respeito ao direito de defesa. Este, mais que beneficiar a um ou outro réu, é garantia de cada cidadão. Admitir sua violação em relação a qualquer pessoa fere a Constituição e, pior, abre perigoso precedente.

Obs.: Esta tese é mencionada por Mirabete e por Juarez Tavares

- por William Douglas

segunda-feira, 11 de março de 2013

Justiça! Justiça! Justiça!


Aqui, uma vida é tirada e a nação brada em alta voz: justiça! Justiça! Justiça! Lá, um grande salafrário consegue se eximir das responsabilidade e o povo grita: justiça! Justiça! Justiça! Alhures, um empresario deixa de cumprir com suas obrigações trabalhistas e o empregados se amotinam e em uníssono ressoam: justiça! Justiça! Justiça!

A verdade, porém, é que os tais estão sendo enganados.

Nosso povo é enganado ao crer que o sistema judiciário é a solução para seus problemas. Creem de modo inocente que as comarcas espalhadas por este país, bem como todas as instâncias superiores e infinitos recursos, poderão lhes trazer a sonhada e almejada justiça. 

Os trabalhadores da área ou como se costuma dizer, os operadores do Direito, sabem do ledo engano que as massas populacionais vivem. Ademais, não somente eles, mas o cidadão de bem como um todo. O adágio popular de que "a justiça tarda, mas não falha", certamente e infelizmente, temos de admitir, não é verdadeiro.

No entanto, como cristãos unidos pelo chamado estabelecido pelo Senhor, nós, operadores do Direito, temos o dever de exigir e lutar por princípios bíblicos em nosso cotidiano. Se é certo que devemos fazer todas as coisas para a glória de Deus (1Co 10.31), então, necessariamente, petições, buscas e apreensões, sentenças e acórdãos, caso estejam sob nosso dispor, não devem refletir o modo mundano de injustiça e desigualmente social. Nosso papel não consiste em simplesmente exercer o jus postulandi, e sim lutar pela justa causa, de acordo com a Escritura.

Possa o Senhor se compadecer de nós, de modo a levar cada qual a viver e se esforçar por Sua coroa. Levantemos o estandarte não com bandeiras humanas, mas, sim, com a causa do Soberano e legislador de todos.

Cristo, o grande Rei e Juiz de toda a Terra, nos abençoe.

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Em Cristo e para a progressão de Seu reino,
Filipe Luiz C. Machado